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01/11/2022

DEVOCIONAL - Carta aos artistas cristãos - Harold Best - PARTE 1/3

Carta contida no livro Cristo e a criatividade de Michael Card

O Dr. Harold Best é professor emérito de música e reitor emérito do Conservatório de Música Wheaton College. Organista e compositor, ele tem sido um mentor e modelo para músicos, artistas e líderes religiosos. Ele também atuou como presidente da National Association of Schools of Music e escreveu extensivamente sobre questões de currículo, cultura e políticas educacionais. Ele é o autor de Adoração incessante: Perspectivas Bíblicas sobre Adoração e Artes e Música Através dos Olhos da Fé.

Querido amigo: Eu, como você, também sou um artista, embora em um primeiro momento seja difícil pensar sobre mim mesmo desse modo. Tenho sido treinado como um artista e possuo dentro de mim um tipo de paixão crescente pelas artes, particularmente pela música, e tenho uma fome insaciável pelas coisas de alta qualidade, ao ponto de sucumbir ao pecado de supor que aqueles que não se deixam acompanhar pela melhor arte não devem, afinal, ser pessoas profundamente espirituais. Embora eu tenha, intelectual e teologicamente, chegado ao ponto de refutar a equação da verdade e da beleza, ainda me pego dominado pela tentação de reuni-las, somente para provar minha própria profundidade espiritual e confirmar a superficialidade daqueles que escolhem aquilo que rotulei de medíocre.

Tente evitar essa tentação, pois ela pode consumir, das mais variadas formas, a verdadeira unidade da Igreja de Cristo, nele promovida. Por mais degradante que seja o mau gosto, e por mais dano que possa causar ao espírito humano, Deus está acima dele, recusando qualquer intermediário estético pelo qual nos ver e valorizar. O único intermediário é Jesus, que nos leva purificados à presença de Deus, a despeito de nossa arte. Enquanto isso, façamos tudo o que pudermos a fim de elevar os padrões e resgatar as pessoas de rastejarem na mediocridade, mas não criemos falsas equações entre pessoas que se posicionam ao lado de Jesus e o tipo de arte que apreciam. Não esqueça que, enquanto judeus eram incinerados nas câmaras de gás, seus executores estavam escutando Mozart e Beethoven, retornando para casa a fim de cuidar de esposas e filhos.

Não sei o quão verdadeiro você se sente com relação a si mesmo. Não sei quantas pessoas têm lhe alcançado com seu repertório de mensagens sobre quem os artistas verdadeiramente são, como deveriam se comportar e a que campo em particular deveriam pertencer de verdade. Não sei se você fez da arte Arte e dos artistas Artistas, ou se chegou à sábia compreensão de que nenhuma iniciativa humana, não importa quão nobre ou magnificente, deveria ser jamais capitalizada. Assim, pergunto: você está contente consigo mesmo diante do fato puro e simples de que Deus decidiu criá-lo de uma determinada maneira? Você entende que Ele esteve, misteriosamente, perto e ao mesmo tempo longe, enquanto você fazia seu caminho por entre a maravilha da imaginação humana, a escuridão do pecado e o lavar claro e limpo do sangue de Cristo? Você entregou sua arte ao seu Salvador de modo que, se Ele fisicamente viesse em sua direção e lhe falasse diretamente, você não mudaria nada do que está fazendo?

Aqui estão mais algumas coisas sobre as quais eu penso e que peço que você pense também. Espero estar errado. Se estiver, escreva-me e me ajude. Sua autenticidade não depende de provar às pessoas ou a Deus – com pincéis, tintas ou caneta – que você é verdadeiramente uma obra de arte. Oro para que, em vez disso, você esteja descobrindo que sua autenticidade consiste no fato de quem você está constantemente se tornando em Cristo e de que você faz arte porque não pode privar-se da simples alegria de moldar algo da melhor maneira que pode e então derramá-lo aos pés de Jesus. A única razão de fazermos nosso melhor, a despeito de todo o custo, é o valor infinito de Jesus, pois fazer arte desse modo é fazê-la com verdadeira autenticidade.

Lembre que somente Deus pode imaginar e criar algo do nada. Nesse sentido, Ele é o único que merece o título de Criador. Somos meramente criativos. Ou seja, podemos somente imaginar e fazer algo a partir de outra coisa — algo que já foi imaginado e feito, quer na própria criação, quer a partir do trabalho de outras pessoas criativas. Isso significa que você não deve considerar sua obra original, mas individual. Seu trabalho será sempre resultado de algo com o qual você teve contato e para outros que, eventualmente, terão contato com ele. Assim, não tenha medo de tomar emprestado, mas esteja certo de que tomou emprestado o melhor e de que cresceu com esse empréstimo. Então você entenderá este simples fato: os melhores artistas começam sendo influenciados e terminam influenciando. Encontrar a si mesmo não é um solilóquio criativo, um olhar narcisista para dentro de um talento concentrado e privativo ou algum tipo de individualismo estético. Trata-se, em vez disso, de encontrar outros que encontraram outros que, por sua vez, encontraram ainda outros, unindo-se humildemente e famintos a essa vasta comunidade, e então constatando a diferença que a individualidade tem produzido ao seu redor e orando para que você acabe por fazer diferença suficiente, que garanta sua cidadania nessa mesma comunidade.

Ainda assim, não rechace a grandeza nem tenha inveja dela. Encare-a e aprenda com ela, mas não a cobice, pois isso tirará seus olhos daquilo que você é inerentemente capaz, tornando-o um estilista auto-engajado e espalhafatoso. Lembre-se do grande Bach, que passou vinte e sete anos na igreja de São Tomás, em Leipzig, sem buscar grandeza, mas simplesmente trabalhando em função do próximo domingo. No cabeçalho de muitas de suas composições ele escreveu as iniciais latinas para Ajuda de Jesus e no rodapé delas, Somente a Deus a Glória. Que esse servo dedicado seja chamado de grande na medida em que a civilização mede a grandeza, mas não esqueça o fato mais importante de que, em essência, ele foi simplesmente um bom homem que fez seu trabalho diário com todas as suas forças. É possível que você não venha a ser um grande artista, mas você pode ser bom e pode conviver maravilhosamente com a bondade. Desse modo, estará no centro esclarecedor da civilização de uma alma. E se, por meio de suas orações, seu trabalho e seu exemplo, puder persuadir outros de que eles também devem fazer companhia à bondade, talvez nossa cultura amargurada e fragmentada encontre cura e restauração.

[...] Continua na parte 2.

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